Os riscos da adoção da GSuite pelas universidades

GSuite e Vigilância

 

Por Bia Martins

Muitas universidades no Brasil e no mundo estão adotando o pacote de aplicativos educacionais da Google, o Google Suite For Education ou apenas GSuite, o que tem gerado preocupação em pesquisadores conscientes das implicações dessa medida, especialmente em relação aos riscos de violação de privacidade de dados pessoais de alunos e professores e também de metadados estratégicos de pesquisas científicas.

Em 2018, a plataforma já era utilizada por 80 milhões de estudantes e educadores em 186 países. No Brasil, estima-se que o pacote de serviços já esteja presente em metade dos estados, incuindo as universidades mais bem colocadas no ranking, como a USP e a UNICAMP.

Com a promessa de oferecer uma ferramenta de aprendizagem que promova a inovação, a canto de sereia da GSuite é mesmo sedutor. Em primeiro lugar, como utiliza os aplicativos da Google (Gmail, GoogleDrive, Hangout etc), é uma plataforma já conhecida de grande parte dos usuários, portanto a mudança encontra menos resistência por parte de alunos e professores. Além disso, suas aplicações criam de fato um ambiente de aprendizagem em um modelo colaborativo e ainda facilitam tarefas administrativas. E o principal: o serviço é gratuito e oferece suporte 24 horas. Num contexto de crescente cortes orçamentários para a educação, isso não é pouca coisa.

Contudo, é preciso olhar atentamente para o outro lado da moeda. Em artigo publicado no ano passado pela Mediações - Revista de Ciências Sociais, os professores e pesquisadores Henrique Parra, Leonardo Cruz, Tel Amiel e Jorge Machado elencam uma série de problemas que deveriam ser considerados antes da adoção do serviço.

Por um lado, soluções tecnológicas criadas pelas próprias universidades e já implementadas são desvalorizadas e provavelmente descontinuadas, perdendo-se não só o conhecimento ali condensado mas, especialmente, a oportunidade de se optar por uma alternativa mais comprometida com a autonomia da universidade.

Sem falar em outro problema que corre em paralelo: boa parte das aplicações desenvolvidas pelas próprias universidade têm formato aberto, isto é, seus códigos são acessíveis para quem quiser consultá-los e, especialmente, a abertura permite que todas as funcionalidades do programa sejam de conhecimento público. Não há nenhum cavalo de troia embutido à revelia.

E aí temos, a meu ver, o principal problema: os dados e metadados da comunidade universitária passam a ser monitorados por uma corporação internacional que já esteve envolvida, ao lado de outras corporações como Facebook e Microsoft, em casos de espionagem do governo norte-americano, como relatam as denúncias de Edward Snowden a respeito da operação da National Security Agency (NSA).

Como argumentam os autores, através dos metadados dos pesquisadores das universidades, seria possível saber que publicações estão sendo lidas por determinado grupo de pesquisa, que termos de busca utilizam, a que redes de pesquisa estão conectados, de que congressos participam etc. O acesso a todos metadados das universidades brasileiras pode representar uma estratégica vantagem para a Google e seus parceiros num cenário de competição por inovação tecnológica. E, claro, uma perda para o Brasil.

Esse risco é ainda maior porque há certa ambiguidade em seus termos de uso a respeito da forma como a privacidade dos dados é tratada, dando margem para que parte dos dados seja processados de forma desconhecida e velada.

Some-se a isso, claro, toda a problemática já conhecida relativa à proteção de dados pessoais de alunos e professores. Sabemos há tempos que não existe almoço grátis. As plataformas gratuitas como Google ou Facebook na verdade monetizam nossos dados pessoais de forma um tanto obscura: nunca sabemos direito até que ponto estamos sendo monitorados, muito menos quem, ou que empresas ou governos, terá acesso a esses dados e para quê.

Por tudo isso, a opção pelo Gsuite é, no mínimo, uma escolha impensada e precipitada que não leva em conta a complexidade que envolve a atuação das grandes empresas de tecnologia, revelando - que é ainda mais lamentável - uma falta de consciência sobre a importância de desenvolvermos soluções tecnológicas abertas e próprias, que não só atendam às nossas demandas específicas como contribuam para  nosso melhor desenvolvimento. Em resumo: um grande ataque à nossa autonomia.

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