Em Rede

Reflexões sobre temas da cultura digital


“Shakespeare sampleador” e “Remixando Karl Marx”

Por Reynaldo Carvalho

“Nenhuma superfície é virgem, tudo já nos chega áspero, descontínuo, desigual, marcado por algum acidente: o grão do papel, as manchas, a trama, o entrelaçado dos traços, os diagramas, as palavras.”

Roland Barthes

Continuando meu trabalho como Idea Jockey neste espaço, apresento duas matérias que atualizam dois clássicos pela ótica do tempo presente: “Shakespeare foi o primeiro sampleador completo da cultura ocidental” e “Remixando Karl Marx”.

Em matéria de Joyce Athiê, João Cezar de Castro Rocha explica que Cervantes e Shakespeare desenvolveram estratégias e formas literárias que respondiam a desafios semelhantes ao que temos hoje. “Você, como jornalista, deve se perguntar: até quando o jornal impresso irá sobreviver?”, indaga. “E Cervantes se perguntava se o tipo móvel iria persistir. Hoje fazemos a mesma pergunta quando nos deparamos com os meios digitais”.

Embora os tipos móveis datem do século XV, os livros se tornaram populares apenas três séculos depois. “Cervantes escreveu o primeiro projeto literário capaz de responder ao desafio do impresso. Hoje, precisamos enfrentar uma forma capaz de responder ao que nos impõe o meio digital”, observa.

Quanto a Shakespeare, Rocha o toma como mais atual que nos séculos XVIII e XIX. “Shakespeare é o primeiro sampleador completo da cultura ocidental. Hoje, compreendemos que não existe original. Tudo é apropriação e cópia da cópia”.

Ele conta que, a partir do século XVIII, Shakespeare passou a ser reconhecido como o grande gênio, criador de um universo próprio. “E com isso, perdemos a dimensão que o torna nosso contemporâneo. O genial dele não é ter inventado personagens que não existiam. Isso não é verdade. Shakespeare se apropriava de peças de outras pessoas e, claro, acrescentava sua forma de olhar e fazer literatura”.

E assim como fez Shakespeare, Rocha defende que é preciso nos apropriarmos. “Precisamos nos encorajar a ler os clássicos que responderam aos desafios de uma época. Entrar em contato com eles é encontrar novas formas de nos fazermos perguntas para respostas que ainda não dispomos”, pontua.

E quanto a Karl Marx? Não estava meio abandonado?

Algo pode ser constatado: vivemos tempos sombrios que, pelo menos, possuem o mérito de terem trazido de volta ao debate uma visão classista que encontrava-se meio esquecida.

Em março de 2007, o jornalista André Cintra, do Portal Vermelho, apresentou o vídeo Manifestoon, do cineasta independente Jesse Drew, especialista em multimídia e diretor de estudos tecnoculturais da Universidade da Califórnia. Na reportagem, Cintra explica que alguns trechos do Manifesto Comunista, foram associados à imagens de célebres desenhos animados americanos, sobretudo os hollywoodianos. Em seus oito minutos, Manifestoon traz cartoons da Disney, UPA, Hannah-Barbera, Warner Brothers, entre outras produtoras.

Diz Drew que o vídeo “é uma homenagem à latente subversão dos desenhos animados. No cartoon clássico, força bruta e artilharia pesada nunca puderam com o humor – e a justiça sempre se saiu bem. Para mim, foi um processo natural relacionar o conceito de subversão da minha própria infância com uma versão subversiva mais consagrada e articulada (o Manifesto Comunista)”.

A reportagem lembra que a prática de subverter cartoons capitalistas para difundir o marxismo chama-se détournement e remonta à década de 1950, quando foi elaborada por integrantes da Internacional Situacionista, que propagaram a moda ao alterar, nas histórias em quadrinhos ocidentais, os balões com as falas dos personagens. Saíam os diálogos convencionais, entravam ideias alternativas, de resistência.

Até a próxima.



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