Em Rede

Reflexões sobre temas da cultura digital


Guerrilla Translation

Por Bia Martins

Criado em 2013, em Madri, o Guerrilla Translation (GT) é muito mais do que uma cooperativa de tradutores. Na verdade, seu modelo de produção e gestão é tão inovador que é difícil defini-lo em poucas palavras, mas para começar podemos dizer que é um coletivo ativista de tradução e comunicação no modelo P2P orientado ao comum.

Inspirado por movimentos como o 15M e Occupy, o GT opera em duas frentes: um coletivo de tradução voluntária voltado a temas sociais e ambientais e uma agência de serviços de tradução. Por um lado, os tradutores que integram o projeto selecionam textos que serão traduzidos sem cobrança, por trazerem reflexões que merecem ser propagadas amplamente ultrapassando as barreiras linguísticas e. por outro, oferecem seus serviços ao mercado, com cobrança diferenciada de acordo com o tipo de cliente: mais em conta para indivíduos, ONGs e coletivos; e ao preço de mercado para empresas e outras organizações privadas.

O interessante é que, com base em um modelo de governança cooperativa aberta (Open Coop Governance Model), quem faz as traduções probono também é remunerado através do repasse do dinheiro arrecadado pelo coletivo com as traduções pagas. Eles desenvolveram uma fórmula um tanto complexa que soma o montante recebido por todos os trabalhos pagos e divide o total entre todos os trabalhos realizados por diferentes profissionais: as traduções pagas e voluntárias; a revisão do texto; a edição digital quando necessária; o contato com o cliente ou o autor. Se quiser saber mais detalhes sobre essa fórmula, leia aqui em inglês.

Outro ponto que vale destacar é o critério para seleção dos textos a serem traduzidos gratuitamente. Os temas devem ser relevantes, claro, mas a abordagem também importa: deve ser construtiva e não meramente crítica, oferecendo perspectivas e apontando para soluções práticas. A proposta é compartilhar as reflexões e experiências de pessoas e coletivos de diferentes países para que suas vivências possam servir de inspiração mútua. O GT trabalha basicamente com dois idiomas, o espanhol e o inglês, embora exista o projeto de expandir para mais línguas.

Dentro desses critérios, são priorizados temas como nova economia, produção entre pares, comum, feminismo, meio ambiente e ativismo. A publicação mais recente, “Economics is not just about money; it’s about our holistic well-being as a planet”, dá uma boa ideia de sua linha editorial. O post traz um vídeo de Nonty Charity Sabic, cofundadora da Rise Ubuntu Network, falando sobre a filosofia indígena sul africana “ubuntu” baseada na conexão compartilhada por humanos e natureza, que ela define por um princípio: “eu sou porque nós somos”. 

Completando sua proposta de trabalho cooperativo voltado ao comum, todo o material publicado no site está sob a licença Peer Production que, como já comentamos aqui, prevê regras diferentes para aqueles inseridos em projetos autogeridos e para os agentes privados. Assim, apenas pessoas envolvidas em projetos colaborativos, cooperativas e entidades sem fins lucrativos podem compartilhar, adaptar e fazer uso comercial do material, mas não entidades comerciais privadas, que precisam solicitar permissão para o uso ou adaptação, além de oferecer contrapartida no caso de uso comercial. 

Por esse conjunto de detalhes que compõem o seu modelo de produção e gestão, o Guerrilla Translator se destaca como um caso de cooperativismo de plataforma que consegue conjugar a produção entre pares com a produção do comum, garantindo uma remuneração justa para todos os trabalhadores envolvidos, ao mesmo tempo em que oferece ao público um repositório aberto de artigos, ensaios, entrevistas e vídeos que propagam ideias e propostas para a construção de novas formas de vida e novas economias baseadas na construção de um bem comum. 



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