Em Rede

Reflexões sobre temas da cultura digital


Ka Menezes: ser hacker neste país é lidar com desigualdades em todos os sentidos

Por Bia Martins e Thiago Novaes

Atuante na cena hacker brasileira, Ka Menezes é professora da UFBA e participa do Raul Hacker Club, em Salvador, Bahia. Nesse espaço criou o projeto Criança Hacker para que, desde cedo, os pequenos aprendam que as tecnologias podem ser construídas, desconstruídas e modificadas. Em sua tese de doutorado em Educação defendeu que há uma pedagogia hacker, presente nos hackerspaces, que se baseia não só na técnica, mas também em afeto, ativismo e ideário. Nesta entrevista para o Em Rede, Ka fala um pouco do que é ser hacker em um país como o Brasil, sobre a atuação do Raul HC e a contribuição da comunidade hacker no questionamento ao modelo tecnológico corporativo e na invenção de alternativas.

– Quando se fala em cultura hacker, a primeira referência vem de países desenvolvidos do Norte, como Estados Unidos e Alemanha por exemplo, que têm contextos políticos e sociais muito diferentes do nosso. Então, pra começar, o que é ser hacker em um país como o Brasil? 

Os primeiros contatos que eu tive com a cultura hacker foi através dos estudos do professor Nelson Pretto da Faculdade de Educação. O primeiro estudo que li sobre ética hacker foi do finlandês Pekka Himanem e minha aproximação com a cultura hacker se deu através da criação do Raul Hacker Club em Salvador, Bahia. Foi a partir da vivência local que comecei a estudar a expressão global do movimento. Então, em minha opinião, ser hacker em um pais como o nosso é lidar com desigualdades em todos os sentidos: desigualdades de acesso às tecnologias, à educação de qualidade, à ferramentas tecnológicas avançadas, mas ao mesmo tempo, é encontrar gente criativa, aberta e solidária interessada em superar essas desigualdades.

 – Você está à frente do Raul Hacker Clube, em Salvador, e atua no movimento hackerspace no país. Na sua visão, qual o papel desses espaços na sociedade ou pra que servem os hackerspaces?

Não estou à frente do Raul Hacker Club não. Nunca estive. Somos horizontalizados e cada um de nós faz o que se sente mais a vontade para fazer. No meu caso, eu faço palestras e estudo o tema hackerismo. Então cada um de nós, integrantes do hackerclub, está à frente de alguma ação ou projeto, nunca à frente do hacker clube. A importância desses espaços consiste nisso: a gente pode viver utopias, realizar projetos, encaminhar sonhos que outros locais não entendem, não acolhem ou simplesmente não permitem. Um hackerclube é um local de experimentação de liberdade, de escolha e de engajamento social. É um espaço de luta cotidiana onde vc se junta com pessoas completamente diferentes de você, mas com intenções e valores parecidos, um lugar onde você precisa aprender a se responsabilizar junto aos outros, senão o espaço morre. 

– Na sua opinião, qual o papel do software livre junto ao movimento hacker do Brasil e do mundo? 

Quem é hacker acredita que o conhecimento é para todos, que deve ser democratizado, por isso as formas de ter acesso ao conhecimento também, por isso o software livre é a escolha ética, politica e social necessária. Vejo que há muita simpatia pelas comunidades de software e hardware livre pelos hackerspaces, mas vejo também que as comunidades e as pessoas ligadas ao software livre encontram cada vez mais dificuldade para se manter fiéis aos principios do SL, porque a pressão das grandes proprietárias privativas é enorme. 

– Vivemos hoje a ascensão do chamado capitalismo de plataforma na Internet, que tem por objetivo concentrar as atenções de pessoas de todo o mundo. Que alternativas uma cultura hacker poderia oferecer tanto no nível de infraestruturas quanto de criação de software para enfrentar esse fenômeno?

Nós oferecemos nossas sedes para eventos e bate-papos, oferecemos nosso tempo, nosso conhecimento. falamos sobre robótica, sobre blockchain, sobre hackear o próprio corpo, e hoje temos investido muito em discutir as questões ligadas à segurança digital. Ou seja, o que fazemos como alternativa a esse cenário é tentar discutir sobre o seu funcionamento, problematizando os excessos e as corrupções por traz deles. A cultura hacker tem como interesse descobrir como as coisas funcionam e tentar modificá-las. Questionar o status quo. mostrar alternativas, quais são essas alternativas… Mas honestamente, na minha opinião, questionar ou não questionar são alternativas. A cultura hacker nos leva sempre à primeira delas.  

– Como pesquisadora, você procurou aproximar a cultura hacker da educação e, paralelamente, criou o projeto Criança Hacker no Raul HC. Podemos falar em uma pedagogia hacker? Se sim, o que a define?

Minha tese de doutorado é sobre isso, chama-se Pirâmide da Pedagogia Hacker. Eu defendo que há uma pedagogia hacker e estudei sua ocorrência em hackerspaces, mostrando que ela depende do engajamento dos pessoas. É um engajamento multifacetado, porque traz o vies técnico, afetivo, ativista e ideário. Ou seja, a pedagogia hacker em hackerspaces se pauta pelo menos nesses quatro vetores para produzir aprendizagens e se manter. 



Uma resposta para “Ka Menezes: ser hacker neste país é lidar com desigualdades em todos os sentidos”.

  1. […] Pois bem, o reconhecimento da relevância desse tema veio agora com o prêmio Capes 2019 para a tese de Karina Menezes, orientada por Nelson Pretto, intitulada Pirâmide da Pedagogia Hacker = [vivências do (in) possível], resultado de pesquisa sobre os processos educativos em hackerspaces brasileiros. Um trabalho de fôlego e criatividade que merece ser amplamente divulgado. Em sua pesquisa, Karina identificou algumas características de práticas pedagógicas nesses espaços, a saber: são centradas no fazer coletivo e não competitivo (ludicidade); a troca de conhecimento é descentralizada; a atividade de ensino é horizontalizada; vale façocracia, ou seja, o aprender fazendo. Para conhecer um pouco mais do seu pensamento, leia a entrevista com ela que publicamos recentemente. […]

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