Em Rede

Reflexões sobre temas da cultura digital


Pós-verdade, para além das fake news

Por Victor Barcellos

A expressão “fake news” vem sido repetidamente mencionada por todo lugar: nas redes sociais, na mídia tradicional, na literatura acadêmica. Com a aproximação das eleições, multiplicaram-se as acusações de notícias falsas por parte de todos os quadrantes do espectro político, de forma que órgãos governamentais como o Tribunal Superior Eleitoral tiveram de intervir, ainda que se questione se foram bem sucedidos nisso. Diversas outras organizações como agências de checagem e coletivos de desenvolvedores de sistemas estão trabalhando de forma a minimizar os problemas gerados por elas, porém seguimos recebendo-as diariamente, levando-nos a prejuízos políticos, sociais e econômicos. Esse inchaço pode nos levar a crer que essa seja uma questão nova e a responsável por nossa corrente desorientação quanto à informação. Muitos esperam que a otimização da checagem vá resolver o problema, como se reprimir as fontes delas e desmentir aquelas já veiculadas fosse solucioná-lo.

Contudo, penso que o buraco é mais embaixo. A questão nova que a sociedade contemporânea está sendo exigida a lidar não são as fake news, mas a pós-verdade. Notícias inverídicas, imprecisas ou excessivamente parciais sempre estiveram presentes na esfera pública. Todavia, até recentemente ainda possuímos fontes legitimadas onde tais informações pudessem ser verificadas – fosse a mídia oficial, a bibliografia científica ou a opinião de especialistas. Já hoje, todas as fontes oficiais estão em descrédito, fazendo-nos mergulhar num contexto que o filósofo francês Jean Baudrillard chama de “era dos simulacros”. Para o autor, perdemos qualquer lastro de realidade que garantisse alguma sustentação para nossos símbolos e opiniões, não há mais qualquer referencial superior que nos ajude a discernir o verdadeiro do falso. Nesse cenário, o que se torna verdade é aquilo que viraliza, o que consegue mobilizar o maior número de pessoas – passamos, assim, da verdade como representação para a verdade como performance. Uma informação é tida como verdadeira, por exemplo, não porque é comprovada por uma pesquisa científica, mas porque foi compartilhada por mil pessoas.

Estamos atravessando um momento de transição em nossos regimes de verdade e de informação, e a angústia nos assola nos momentos em que os antigos referenciais não nos servem mais e ainda não criamos novos. Como disse Antonio Gramsci, “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”. Obtivemos acesso às novas tecnologias da informação e da comunicação antes de aprender a usá-las, sem a competência informacional necessária para navegar seguros por elas. Então, precisaremos de tempo para que essa adaptação ocorra e um investimento público e pessoal em educação para que obtenhamos o letramento necessário. Ao contrário do que disse Umberto Eco, acredito ser importante que a internet tenha “dado voz a uma legião de imbecis” pois todos têm direito a ela, porém precisamos aprender a identificá-los e não lhes dar crédito. Estamos no meio de um inusitado mar de informação sem muita experiência com nossos barcos, sejamos céticos e cautelosos nesse momento de neblina. Logo as estrelas e encostas serão nossas conhecidas e a educação junto com a experiência nos permitirão navegar melhor.

Post originalmente publicado em dezembro de 2018.



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